13/01/2025
Fernanda Ferreira Dias - Diretora-Geral da DGAE
"Os centros comerciais serão a montra de excelência do potencial da adoção das novas tendências de consumo, da melhoria da cadeia de abastecimento e do desenvolvimento de práticas sustentáveis"
Quais são as principais prioridades do organismo que dirige, especialmente no setor do comércio?
Os setores do comércio e serviços constituem setores muito relevantes para a economia e o emprego, para a vitalidade das cidades e das vilas de todo o território, alavancando outros setores e contribuindo para a qualidade de vida dos cidadãos.
No quadro do Ministério da Economia, a Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE) contribui para a definição e adoção de políticas económicas nacionais nos setores do comércio e serviços.
A Direção-Geral das Atividades Económicas tem sobretudo duas prioridades estratégicas no setor do comércio, nomeadamente:
a) Digitalização do Comércio: o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) marca o arranque de um vasto conjunto de reformas e de investimentos que permitirão ao país retomar o crescimento económico sustentado reforçando o objetivo de convergência com a Europa ao longo desta década. Neste contexto, a DGAE está focada em promover a digitalização dos negócios, mediante a execução das duas medidas de que é gestora (Bairros Comerciais Digitais e Aceleradoras de Comércio Digital);
b) Apoio ao Comércio: a “Agenda para a Competitividade do Comércio e Serviços 2030” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 13/2024), publicada em 2024, constitui o primeiro documento estratégico e programático dirigido aos setores do comércio e serviços, com um pacote financeiro associado que mobilizará mais de 400 milhões de euros para modernizar, capacitar e promover o comércio e serviços. Dos projetos incluídos nesta Agenda, destacamos a criação de uma plataforma tecnológica com uma base de dados georreferenciada de estabelecimentos de comércio, de serviços e de restauração, abrangendo todo o território nacional, com canais digitais que contêm informação exclusiva para apoio aos empresários destes setores.
Estas ações visam fortalecer o setor do comércio, tornando-o mais resiliente, inovador e sustentável.
Quais considera serem os maiores desafios enfrentados pelo comércio físico hoje, face ao crescimento do e-commerce (embora estejamos ainda longe do crescimento de outros mercados)?
Atualmente, os maiores desafios enfrentados pelo comércio físico prendem-se com a reorientação para o digital, que obriga a repensar a experiência das lojas físicas vs. virtuais, adotar a omnicanalidade, simplificar procedimentos de transação, incrementar a interoperabilidade de sistemas, implementar formas diversificadas e flexíveis de trabalho e tornar a sustentabilidade um pilar estratégico. Para tal, precisamos igualmente de maiores competências (skills) da parte dos intervenientes no setor.
Os novos modelos de negócio estarão recentrados na comunidade de consumidores e na satisfação das suas necessidades, mas serão moldados em grande parte pela tecnologia e dependem também das expetativas dos consumidores relativamente às alterações climáticas, às preocupações sociais e de sustentabilidade que o novo paradigma evidencia. A possibilidade que o e-commerce veio trazer aos consumidores de uma experiência multicanal, permitindo usufruir das mais-valias de cada uma deles, é, na visão desta Direção-Geral, o que fortalece este setor e permitiu a sua resiliência durante alturas tão difíceis como os encerramentos forçados por necessidade epidémica.
A omnicanalidade permite uma experiência de compra mais ajustada ao perfil de cada consumidor. Embora a preferência do consumidor português não seja, ainda, a de comprar exclusivamente online, a verdade é que os sucessivos confinamentos provocados pela pandemia fizeram aumentar a percentagem de transações de e-commerce.
De acordo com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, a utilização de comércio eletrónico em Portugal foi inferior à observada na União Europeia em 14,2 pontos percentuais. Em 2024, 48,9% das pessoas dos 16 aos 74 anos fizeram encomendas pela internet nos 3 meses anteriores à entrevista - mais 5% do que em 2023, um aumento bastante mais expressivo do que os registados nos dois anos anteriores (mais 2,3% em 2022 e mais 1,2% em 2023).
As empresas que optam por uma operação que combina o brick-and-mortar com o online aumentam a sua capilaridade e a sua capacidade de escalabilidade, fatores críticos para o sucesso das empresas deste setor.
Como vê o papel dos centros comerciais e espaços de retalho daqui a 10 anos, considerando as mudanças nos hábitos de consumo e nas tecnologias ao serviço, não apenas dos clientes, mas também dos lojistas e dos gestores destes espaços?
Os centros comerciais serão a montra de excelência do potencial da adoção das novas tendências de consumo, da melhoria da cadeia de abastecimento e do desenvolvimento de práticas sustentáveis.
Essas ações são interdependentes e podem ajudar as empresas dos setores do comércio e serviços a tornarem-se mais resilientes e competitivas no mercado.
Diria assim que, reorientar a operação dos centros comerciais para o digital, repensar a experiência das lojas física vs. virtual, adotar a omnicanalidade, simplificar procedimentos de transação, incrementar a interoperabilidade de sistemas, e tornar a sustentabilidade um pilar estratégico, são alguns dos desafios a enfrentar por parte dos centros comerciais. Mais, para além do papel que os centros comerciais já desempenham como pontos de venda principal, estes tornar-se-ão num espaço físico de experiências complementares à venda dos diferentes produtos e serviços.
Os novos modelos de negócio estarão recentrados na comunidade de consumidores e na satisfação das suas necessidades, mas serão moldados pela tecnologia e dependem também das expetativas dos consumidores relativamente às alterações climáticas, às preocupações sociais e de sustentabilidade que o novo paradigma evidencia. É importante que sejam desenvolvidas competências de formação dos diferentes interlocutores para acompanhar estas mudanças.
As estratégias omnicanal vieram para ficar, disponibilizando muitas e variadas possibilidades, quer a quem compra, quer a quem vende.
A Direção-Geral das Atividades Económicas crê que os centros comerciais serão pioneiros em implementar as novas soluções que irão surgir, das quais, a título de exemplo, se identificam os novos mecanismos de checkout de compras, com pagamento de compras mais simples, automatizado, que tornará a experiência de compra mais fluida e eficiente.
E que lugar terão as “Experiências” dos visitantes nos pontos de vendas a retalho, no âmbito do entretenimento, serviços e restauração, nesse contexto?
Os centros comerciais já são o exemplo pioneiro da organização das experiências dos visitantes nos pontos de venda a retalho, que os restantes atores seguirão. A demonstração em focar o negócio na experiência do consumidor demonstrará que, mais do que apenas os fatores tradicionais (preço, qualidade do produto, qualidade do serviço, conveniência, entre outros), é a experiência completa que atrai o consumidor para uma visita repetida.
Enquanto “organismos” complexos, com uma gestão inteligente e integrada, os centros comerciais irão tornar-se ainda mais num local onde o consumo se encontra com a cultura, com o entretenimento, com o convívio entre pares e entre famílias. Serão também os pioneiros na apresentação de novos modelos e novas tecnologias para os setores do comércio e serviços.
Os centros comerciais já agregam as empresas inovadoras, com pontos de venda que oferecem experiências imersivas que vão para além da simples compra de produtos. Pense-se nas lojas de moda onde os clientes "experimentam" roupas virtualmente, enquanto restaurantes oferecerem tours virtuais às suas cozinhas. Os centros comerciais já se estão a transformar em locais de entretenimento, com eventos ao vivo, workshops e outras atividades que, mais do que atraírem clientes, os fidelizam.
Que solução considera possível para a atração de mão-de-obra a este setor fundamental da nossa economia?
O investimento em programas de formação contínua e divulgação interessante das oportunidades de desenvolvimento profissional, que demonstrem junto das novas gerações que o trabalho no comércio é altamente qualificado e socialmente reconhecido, e a utilização de tecnologias avançadas para melhorar a eficiência e a operação dos funcionários poderão ser soluções/estratégias para tornar este setor mais atrativo para os trabalhadores.
Que competências ou áreas de formação e qualificações serão fundamentais para os profissionais do setor do comércio e serviços?
Em Portugal, as escolas de comércio têm uma oferta formativa ampla, ministrando vários cursos de especialização profissional, formação à medida das necessidades das empresas e formação em áreas com saídas profissionais. Por exemplo, os alunos da Escola de Comércio de Lisboa contam com uma taxa de empregabilidade de 90%.
Acresce referir a recente revisão do Catálogo Nacional de Qualificações, tendo sido criados novos Conselhos Setoriais para a Qualificação para setores de atividade emergentes ou de reconhecida importância estratégica, nomeadamente Informática, Eletrónica e Telecomunicações, Moda, Serviços pessoais, Comércio e Marketing, Artesanato e Ourivesaria, Serviços às Empresas e Turismo e Lazer.
Por último, acredito que a troca de boas práticas com outros países é sempre uma mais-valia que nos pode inspirar. Nesse sentido, deveremos manter-nos atualizados quanto a práticas que possam estar a ser utilizadas noutros países que são nossos parceiros.
Créditos ©Ramon de Melo